quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

É bonitinha, mas escreve “menas” – sobre o verdadeiro sentido de usar bem a língua

Era uma mulher linda. Morena, alta, bonita e sensual. Talvez ela fosse a solução para os meus problemas. E os de toda a humanidade. Para a Copa no Brasil. Para a truculência da PM nas manifestações e nas periferias. Para a fome na Somália. Para a guerra civil na Síria. Era uma menina bonita. Foi Miss Milho na cidadezinha de seis mil habitantes onde nasceu e cresceu. Nasceu tão bonita que, assim que saiu do ventre da mãe, a única coisa que tinha cara de joelho naquela menina era o próprio joelho. E cresceu indiscutivelmente, era, enfim, uma mulher linda.

Mas escreveu “com migo”. E eu resolvi perdoar. Botei a culpa no corretor ortográfico, por mais que ela não o tivesse feito. Só que aí veio o “concerteza”. E eu fiquei a imaginar o que fosse uma concerteza. Se um concerto, em linhas gerais, é uma composição musical acompanhada de uma orquestra ou de um piano, uma concerteza deveria ser uma lindeza de concerto. Perdido em meus devaneios, perdoei mais uma vez. Até que veio um “tomare que agente seje muito felis”. E eu, que até então torcia, comecei a contorcer.

É difícil perdoar erros gramaticais quando se cresceu levando a Novíssima Gramática Ilustrada do Sacconi ao banheiro para a hora do número dois. Ou quando, na impossibilidade de carregar aquela verdadeira bíblia, os rótulos de shampoo, com seus inesquecíveis lauril éteres sulfato de sódio e cocoamidopropil betaínas, se tornavam leitura obrigatória no espaço de tempo entre abaixar as calças e botar a mão no papel higiênico. Mas eu juro que tento me policiar, porque patrulheiros do bom português são chatos. Patrulheiros de qualquer coisa são chatos, aliás. E eu sou um puta dum chato. Muito mais chato do que puto – pra esclarecer as coisas.

Antes que vocês façam uma ideia errada de mim: eu nunca quis uma mulher que me declamasse poemas. Não tenho um pingo de paciência para preciosismos. Às favas todos os poetas, suas rimas, suas métricas e suas segundas pessoas do plural e do singular. Às favas Vinícius de Moraes com seus sonetos. Da fidelidade, da amiga, do amor total, do caralho a quatro. Às favas as ênclises, próclises e mesóclises que você usa devidamente. E às favas meu português correto de merda. Porque, olha, quando alguma coisa desponta mais forte aqui dentro do peito, não importa se é “mais” ou “mas”. Se é “seje” ou “seja”. Se é “menas” ou “menos”. Se é “iorgute” ou “iogurte”. Quando o amor – ou o tesão – fala mais alto, a gente comete o crime de perdoar milhares de vírgulas entre sujeitos e predicados, centenas de “as” craseados indevidamente e dezenas de oxítonas terminadas em U acentuadas. E sem chance de arrependimento.

Às corajosas pretendentes de toda a vida que me mandaram mensagens de texto, aqui vai um recado: eu avaliei. Eu fiz a análise sintática, semântica e morfológica. Eu reli cada oração em busca de uma ambiguidade. E eu encontrei erros. Mas acima dos erros, encontrei acertos. Porque a atitude de escrever vale muito mais do que escrever direitinho. Ter coragem de chamar o menino para sair vale muito mais do que declamar-lhe um poema – escrito por você ou por qualquer Maria Bethânia. Dizer um simples e sonoro “eu te amo” é muito mais precioso do que qualquer preciosismo. Porque convenhamos: se dominar o idioma fosse sinônimo de sucesso na vida amorosa e sexual, seguuuura o professor Pasquale. Que, sem dúvidas, manda muito bem na língua portuguesa. Mas que talvez – só talvez – não saiba que usar bem a língua pode significar mais do que arrasar nas análises sintáticas e nos tira-dúvidas do Telecurso 2000. Muito mais.
Por Bruna Grotti, do Portal Casal Sem Vergonha, com as devidas adaptações deste Blog.

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